Passou do ponto - Braulio Tavares
São essas coisas que acontecem na vida das pessoas, elas se veem de repente numa situação que é um paraíso imprevisto, um paraíso não-sonhado, que aparece não como a conquista (enfim!) de um objetivo, mas como algo que cai já pronto em nosso colo, objetivo e conquista embrulhados juntos no mesmo celofane. De repente estava tudo tão bom, o ônibus agradável, o ar condicionado funcionando, a poltrona confortabilíssima e reclinável em três ângulos, as janelas amplas e transparentes, a companhia esfuziante dos outros passageiros... Estar cruzando a cidade (babilônica e luminosa) naquele ônibus tornou-se de repente não um meio mas um fim em si, e era um tal clima de festa, uma tal variedade de companhias, de conversas, de risadas, de confidências, de conspirações benignas e de planos para o futuro que parecia não existir nada mais além daquele espaço fechado em movimento. A cidade (sensual e festiva) passava lá fora como um loop de imagens em computação gráfica, espaço bidimensional que, se a gente se contentasse em vê-lo passar, cumpria plenamente a função. A vida verdadeira era ali dentro, tudo acontecia naquele corredor largo entre as poltronas, onde era possível caminhar em filas de mão e contra-mão, e havia frigobar em esquema de boca-livre (ou quem sabe incluído na passagem), televisõezinhas ejetáveis no teto, canais de música com fones de ouvido e menu de trinta opções... O ônibus em que iam conhecer o mundo transformou-se no mundo, transformou-se no único lugar a que ele dava atenção, no único lugar que ele via e ouvia. E ele passou do ponto.
Mais no site do autor: Mundo Fantasmo
Nenhum comentário:
Postar um comentário