domingo, 17 de julho de 2011

Aristóteles não definiu a piedade e o terror. Eu defini. Escuta...

A piedade é o sentimento que faz parar o espírito na presença de algo que seja grave e constante no sofrimento humano e o une com o sofredor humano. O terror é o sentimento que detém o espírito na presença de seja lá o que for que seja grave e constante no sofrimento humano e o liga à sua causa secreta.

De fato, a emoção trágica é uma face olhando para dois lados, para o terror e para a piedade, pois que ambos são faces dela.

Repara bem que emprego o termo deter, ficar parado. Quero com isso significar que a emoção trágica é estática. Ou, antes, a emoção dramática é que o é. Os sentimentos excitados pela arte imprópria são cinéticos, desejo, ou repulsa. O desejo nos compele a possuir, a ir para alguma coisa; a repulsa nos compele a abandonar, a partir duma dada coisa. As artes que o excitam, pornográficas ou didáticas, são, por conseguinte, artes impróprias. A emoção estética (sempre emprego o termo geral) é, por conseguinte, estática. O espírito fica detido e suspenso acima do desejo e da repulsa.

O desejo e a repulsa excitados por meios estéticos impudicos não são realmente emoções estéticas, não só porque são cinéticas em caráter como também porque não são senão físicas. A nossa alma contrai-se ante aquilo que teme e responde ao estímulo daquilo que deseja por uma ação puramente reflexa do sistema nervoso. Nossas pálpebras fecham-se antes que estejamos cônscios de que a mosca está a ponto de entrar no nosso olho.

A beleza expressa pelo artista não pode despertar em nós uma emoção que é cinética, ou uma sensação que é puramente física. Ela desperta ou deve despertar, ou induz, ou deve induzir, um êxtase estético, uma piedade ideal ou um terror ideal, um êxtase que perdura, que se prolonga e que acaba, por fim, dissolvido pelo que chamo de ritmo de beleza.

O ritmo é a primeira relação formal estética duma parte com outra parte, em qualquer conjunto ou todo estético, ou dum todo estético para a sua parte ou para as suas partes ou duma parte para o todo estético do qual é parte.

Falar destas coisas, tentar compreender-lhes a natureza, e, tendo-a compreendido, procurar lenta, humilde e constantemente expressar (tornar a extrair da terra bruta ou do que dela procede, do som, da forma e da cor, que são as portas da prisão de nossa alma) uma imagem da beleza que chegamos a aprender — isto é arte.

Que é a arte? Que é que a beleza exprime? A arte é a disposição humana de matéria sensível ou inteligível para um fim estético.

Santo Tomás de Aquino diz que o belo é a apreensão do que agrada. Pulcra sunt quae visa placent.

Ele emprega a palavra visa para revestir as apreensões estéticas de todas as maneiras, seja através da vista ou do ouvido, seja através de qualquer outra perspectiva de apreensão. Esta palavra, conquanto seja vaga, é clara o suficiente para discernir o que haja de bom e de mau que excite o desejo e a repulsa. Significa certamente uma estase e não uma cinese. E relativamente ao real? Também produz uma estase do espírito. 

Por conseguinte, estático, Platão, creio eu, disse que a beleza é o esplendor da verdade. Não acho que isso tenha um sentido, mas a verdade e a beleza são aparentadas. A verdade é contemplada pelo intelecto que é acalmado pelas mais satisfatórias relações do inteligível; a beleza é contemplada pela imaginação que é acalmada pelas mais satisfatórias relações do sensível. O primeiro passo na direção da verdade é compreender o escopo e o encaixe do intelecto mesmo, compreender o ato mesmo de intelecção. Todo o sistema de filosofia de Aristóteles repousa no seu livro de psicologia e esta, penso eu, no seu princípio de que o mesmo atributo não pode ao mesmo tempo e com a mesma conexão pertencer e não pertencer ao mesmo objeto. O primeiro passo na direção da beleza é compreender o limite e o escopo da imaginação, compreender o ato mesmo da apreensão estética.

Embora o mesmo objeto possa não ser bonito para toda a gente, toda gente pode admirar um objeto bonito, encontrar nele certas relações que satisfaçam e coincidam com os estágios próprios mesmos de toda apreensão estética. Tais relações do sensível, visíveis para mim através duma forma e para ti através doutras, devem ser, por conseguinte, as necessárias qualidades da beleza. Já agora podemos voltar ao nosso velho amigo Santo Tomás para outros dez vinténs de sabedoria.

James Joyce - Retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira

Nenhum comentário: