quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta, faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos."


"O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas também sujeito da história."


"Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem "tratar" sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos,  sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível."


Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia

domingo, 25 de dezembro de 2011


Eu indico!


domingo, 18 de dezembro de 2011

Quintal

sábado, 17 de dezembro de 2011


Documentário: Ferreira Gullar - A necessidade da Arte


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

Imagem
Narrativa
Alfabetização visual



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011


Ferreira Gullar no programa Sangue Latino




FERREIRA GULLAR

Um novo realismo

É imprescindível que a obra inusitada transcenda a banalidade e a sacação cerebral ou extravagante

Quem, como eu, admite que a vida é inventada e que a arte é um dos instrumentos dessa invenção terá do fenômeno artístico, obrigatoriamente, uma visão especial.

Não é só através da arte que o homem se inventa e inventa o mundo em que vive: a ciência, a filosofia, a religião também participam dessa invenção, sendo que cada uma delas o faz de maneira diferente, razão por que, creio, foram inventadas.

Se a filosofia inventasse a vida do mesmo modo que a ciência ou a religião o faz, não haveria por que a filosofia existir.

A conclusão inevitável é que todas elas são necessárias, ainda que cada uma a seu modo e sem a mesma importância para as diferentes pessoas. E o curioso -para não dizer maravilhoso- é que, de uma maneira ou de outra, a maioria das pessoas, senão todas, usufrui, ainda que desigualmente, de cada uma delas.

A arte é exemplo disso. Não importa se esta ou aquela pessoa nunca viu a Capela Sistina, porque, no dia em que a vir, se renderá à sua beleza. Isso vale igualmente para a ciência, a religião ou a filosofia, que atuam sobre nossa vida, quer o percebamos ou não.

É que somos seres culturais, e não apenas porque nos apoiamos em valores éticos, estéticos, religiosos, filosóficos, científicos -mas porque eles são constitutivos dessa galáxia inventada que é o mundo humano.

Como numa galáxia cósmica, a diversidade da matéria e as relações de espaço e tempo, de presente, passado e futuro, fazem com que, de algum modo, tudo ali seja atual, já que qualquer um de nós pode encontrar numa frase de Sócrates, num verso de Fernando Pessoa, numa imagem pintada por Rembrandt, a verdade ou a inspiração que nos reconciliará com a vida.

Isso não significa que devamos pensar como Sócrates ou pintar como Rembrandt e, sim, que a invenção do novo não implica a negação do que já foi feito, mas a sua superação dialética.

Todo artista sabe que a arte não nasceu com ele e que um dos sentidos essenciais de sua obra é incorporar-se a essa galáxia cultural que constitui a nossa própria existência.

Não entenda isso como uma proposta de conformismo, que seria contrária à minha própria tese de que o homem se inventa e inventa o seu mundo, já que seria impossível inventá-lo se apenas repetissem o que já existe.

Por isso mesmo, é perfeitamente natural que alguns artistas de hoje busquem expressar-se sem se valer das linguagens artísticas e, sim, antes, repelindo-as, para inventar um modo jamais utilizado por artistas do passado.

Como já observei, entre esses há os que simplesmente negam a arte e outros que pretendem criar arte valendo-se de elementos antiartísticos ou não artísticos.

Em princípio, suas experiências não têm que ser negadas, uma vez que essa sua atitude radical pode suscitar expressões surpreendentes. E isso às vezes ocorre, embora não seja frequente.

Não resta dúvida de que quem opta por uma atitude tão radical merece atenção e crédito, por seu inconformismo e por sua coragem, mas isso, por si só, não basta.

É preciso que dessa opção radical e corajosa resulte alguma coisa que nos comova e se some a esse mundo imaginário de que já falamos. Honestamente, deve-se admitir que a audácia por si só não é valor artístico.

Nada me alegra mais do que me deparar com uma criação artística inovadora, mas, para isso, não basta fugir das normas, das soluções conhecidas e situar-se no polo oposto: é imprescindível que a obra inusitada efetivamente transcenda a banalidade e a sacação apenas cerebral ou extravagante.

O que todos nós queremos é a maravilha, venha de onde vier, surja de onde surgir.

E aqui cabe aquela afirmação minha -que tem sido repetida por mim e até por outras pessoas- de que a arte existe porque a vida não basta.

Nela está implícito que não é função da arte retratar a realidade, mas reinventá-la. É, portanto, o oposto do falecido realismo socialista que só faltou, em vez de pintar o operário, colocá-lo em carne e osso no lugar da obra.

E nisso não estaria muito distante de certos artistas de agora, ditos conceituais, como a que pôs casais nus em pelo nas salas do MoMA, de Nova York. Como essa arte visa gente de muita grana, bem que poderia chamar-se "realismo high society".

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Artista desconhecido

sábado, 19 de novembro de 2011

Sangue Latino - Eric Nepomuceno conversa com Walter Carvalho. O cineasta conta seu processo de "caçar imagens", como diretor de fotografia, e como a arte pode retratar o mundo.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O medo, o mundo, os valores...


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Na verdade, esta é uma bela ocasião para estabelecer uma teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria do belo único e absoluto; para mostrar que o belo inevitavelmente sempre tem uma dupla dimensão, embora a impressão que produza seja uma, pois a dificuldade em discernir os elementos variáveis do belo na unidade da impressão não diminui em nada a necessidade da variedade em sua composição. O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil de determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível, palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não apropriado à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a descobrir qualquer exemplo de beleza que não contenha esses dois elementos.

Escolho, se preferirem, os dois escalões extremos da história. Na arte hierática, a dualidade salta à vista; a parte de beleza eterna só se manifesta com a permissão e dentro dos cânones da religião a que o artista pertence. A dualidade se evidencia igualmente na obra mais frívola de um artista refinado pertencente a uma dessas épocas que qualificamos com excessiva vaidade de civilizadas: a porção eterna de beleza estará ao mesmo tempo velada e expressa, senão pela moda, ao menos pelo temperamento particular do autor. A dualidade da arte é uma conseqüência fatal da dualidade do homem. Considerem, se isso lhes apraz, a parte eternamente subsistente como a alma da arte, e o elemento variável como seu corpo. É por isso que Stendhal, espírito impertinente, irritante, até mesmo repugnante, mas cujas impertinências necessariamente provocam a meditação, se aproximou mais da verdade do que muitos outros ao afirmar que o belo não é senão a promessa da felicidade. Sem dúvida, tal definição excede o seu objetivo; ela submete de forma excessiva o belo ao ideal indefinidamente variável da felicidade; despoja com muita desenvoltura o belo de seu caráter aristocrático, mas tem o grande mérito de afastar-se decididamente do erro dos acadêmicos.

BAUDELAIRE, Charles - O belo, a moda e a felicidade; in:Sobre a Modernidade: o pintor da vida moderna. Organizado por Teixeira Coelho - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996



 http://acancaoestamorta.blogspot.com/

terça-feira, 1 de novembro de 2011


 A MORTE - Tarô de Rider-Waite

"A morte, ao contrário do que pensa a grande maioria das pessoas, não significa um fim, mas o início de um novo ciclo de vida-morte-vida, um período é de transição. Na dança da morte com a vida, ficamos todos assombrados e um tanto despedaçados, mas a vida está pulsando de novo."  Definição encontrada no site 7, fotografia, pesquisa e debate

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

domingo, 9 de outubro de 2011

Realidade                                           Gramática visual
Verdade                                              Estética
Documentário                                    Audiovisual
Jornalismo              






sábado, 8 de outubro de 2011


Fisheye Nº 2

terça-feira, 20 de setembro de 2011



Gosto muito deste trabalho do Ryan J Woodward.

A dança, a música, os traços, a delicadeza...


Thought of You from Ryan J Woodward on Vimeo.

domingo, 18 de setembro de 2011

Modernidade.
Pós-modernidade.
Democracia.
Sociedade.



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Aceitação do novo... ou não.

O público moderno e a fotografia
Carta ao Sr. Diretor da Revue française sobre o Salão de 1859 [20/06/1859]


Charles Baudelaire, 1959
[Tradução e comentários: Ronaldo Entler, 2007]

Meu caro Morel, se houvesse tempo para diverti-lo, eu o conseguiria facilmente folheando o catálogo e fazendo um apanhado de todos os títulos ridículos e temas patéticos que têm a ambição de atrair nossos olhos. Esse é o espírito francês. Tentar surpreender através de estratégias estranhas à arte em questão é o grande instrumento de pessoas que não são naturalmente pintores. Por vezes, mas sempre na França, esse vício atinge até mesmo homens que não estão desprovidos de talento, mas que o desonram através de uma espécie de mistura adúltera. Eu poderia fazer desfilar sob seus olhos o título cômico à maneira dos vaudevillistas[1], o título apelativo ao qual falta apenas o ponto de exclamação, o título trocadilho, o título profundo e filosófico, o título enganador, ou título armadilha, do gêneroBrutus, Largue César[2]! “Oh estirpe incrédula e pervertida! diz Nosso Senhor, até quando estarei entre vós? Até quando vos suportarei?”[3] Efetivamente, essa estirpe, artista e público, tem tanta fé na pintura que tenta incessantemente disfarçá-la e dar-lhe um invólucro como um remédio amargo dentro de uma cápsula de açúcar; e que açúcar, grande Deus! Eu lhe apontarei apenas dois títulos de telas que, aliás, não cheguei a ver: Amor e Gibelotte[4]! Como a curiosidade vira imediatamente apetite, não é mesmo? Eu tento combinar intimamente essas duas idéias, a idéia de amor e a idéia de um coelho esfolado e feito picadinho. Não me foi possível supor que a imaginação de um pintor tenha chegado ao ponto de combinar um aljava, asas e uma venda[5] sobre o cadáver de um animal doméstico; realmente, a alegoria seria demasiadamente obscura. Mais que isso, creio que o título foi composto segundo a receita de Misantropia e Arrependimento[6]. O título verdadeiro seria então: Pessoas apaixonadas comendo gibelotte. Agora, são eles jovens ou velhos, um operário e uma costureirinha ou mesmo um inválido e uma vagabunda sob um caramanchão empoeirado? Seria preciso ter visto o quadro. - Monárquico, Católico e Soldado! Este é do gênero nobre, do gênero paladino, um itinerário de Paris a Jerusalém (Chateaubriand, perdão![7] As coisas mais nobres podem se transformar em meios de caricatura, e as palavras políticas de um governante, em munição para aprendizes de arte). Esse quadro só pode ser a representação de alguém que faz três coisas ao mesmo tempo, batalha, comunga, e assiste ao petit lever[8] de Luis XIV. Será talvez um guerreiro tatuado com flores de lis[9] e imagens de devoção? Mas para que complicar? Digamos simplesmente que esse é um meio de comoção, pérfido e estéril. O que há de mais deplorável, é que o quadro, por mais esquisito que pareça, talvez seja bom. Amor e Gibelotte também. Sem falar de um excelente e pequeno grupo de esculturas cujo número infelizmente não guardei, e quando eu quis saber mais sobre o tema, reli insistente e infrutiferamente o catálogo. Enfim, você teve a generosidade de me informar que se chamava Sempre e Jamais. Eu me senti sinceramente aflito ao ver que um homem talentoso cultivou inutilmente um enigma desse tipo[10].



Peço desculpas por ter me divertido por alguns instantes à maneira dos pequenos jornais. Mas, ainda que a temática lhe pareça um pouco frívola, no entanto, examinando-a bem, você encontrará nela um sintoma deplorável. Para resumir de um modo paradoxal, eu lhes perguntaria, a você e a esses meus amigos que são mais instruídos que eu na história da arte, se o gosto pelo tosco, o gosto pelo espirituoso (que são a mesma coisa) existiram em outros tempos. Se Apartamento para alugar[11]e outras concepções rebuscadas surgiram em todas as épocas para incitar o mesmo entusiasmo. Se a Veneza de Veronese e de Bassan foram afligidas por esses logogrifos, se os olhos de Jules Romain, de Michelangelo, de Bandinelli foram assombrados por semelhantes monstruosidades; pergunto, em resumo, se o Sr. Biard é eterno e onipresente como Deus. Não creio nisso, e considero essas honras como uma graça especial concedida à estirpe francesa. Que seus artistas inoculam nela o gosto, é verdade; que ela exige deles que lhe supram tal necessidade, também não é menos verdadeiro; pois se o artista embrutece o público, este lhe paga bem por isso. São dois termos correlativos que agem um sobre o outro com igual eficiência. Admiremos também com que rapidez mergulhamos na via do progresso (entendo por progresso a progressiva desaparição da alma e o progressivo domínio da matéria), e que propagação maravilhosa se faz todos os dias da habilidade ordinária, aquela que se pode adquirir através da paciência.

Neste país, a pintura naturalista, assim como o poeta naturalista, é quase um monstro. O gosto exclusivo pelo Verdadeiro (tão nobre quando limitado a suas verdadeiras aplicações), neste caso, oprime e sufoca o gosto pelo Belo. Onde seria preciso ver apenas o Belo (eu penso numa bela pintura, e pode-se facilmente adivinhar o que estou imaginando), nosso público busca apenas o Verdadeiro. Ele não é artista, naturalmente artista; filósofo, talvez; engenheiro, amante de anedotas instrutivas, tudo que se queira, mas jamais espontaneamente artista. Ele sente, ou melhor, julga sucessivamente, analiticamente. Outros mais favorecidos sentem de imediato, de uma só vez, sinteticamente.

Havia pouco, eu falava de artistas que buscavam surpreender o público. O desejo de surpreender e de ser surpreendido é bastante legítimo. It is a happiness to wonder, "é a felicidade de ser surpreendido"; mas também, it is a happiness to dream, "é a felicidade de sonhar"[12]. Se for necessário conferir o título de artista ou de amante das belas-artes, a questão é de saber por quais procedimentos se deseja criar ou sentir surpresa. Se o Belo é sempre surpreendente, seria absurdo supor que o que é surpreendente é sempre belo. Ora, nosso público, que é particularmente incapaz de sentir a felicidade da fantasia e da admiração (um sintoma das almas pequenas) quer ser surpreendido por meios estranhos à arte, e os artistas obedientes se conformam a esse gosto; eles querem chocar, causar espanto, pasmar por estratagemas indignos, porque sabem que o público é incapaz de se extasiar diante da tática mais espontânea da verdadeira arte.

Nestes dias deploráveis, produziu-se uma nova indústria que muito contribuirá para confirmar a idiotice da fé que nela se tem, e para arruinar o que poderia restar de divino no espírito francês. Essa multidão idólatra postulou um ideal digno de si e apropriado à sua natureza, isso está claro. Em matéria de pintura e de escultura, o Credo atual do povo, sobretudo na França (e não creio que alguém ouse afirmar o contrário) é este: "Creio na natureza e creio somente na natureza (há boas razões para isso). Creio que a arte é e não pode ser outra coisa além da reprodução exata da natureza (um grupo tímido e dissidente reivindica que objetos de caráter repugnante sejam descartados, como um penico ou um esqueleto). Assim, o mecanismo que nos oferecer um resultado idêntico à natureza será a arte absoluta". Um Deus vingador acolheu as súplicas desta multidão. Daguerre foi seu Messias. E então ela diz a si mesma: "Visto que a fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles crêem nisso, os insensatos), a arte é a fotografia”. A partir desse momento, a sociedade imunda se lança, como um único Narciso, à contemplação de sua imagem trivial sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário se apodera de todos esses novos adoradores do sol. Estranhas aberrações se produzem. Associando e reunindo homens desajeitados e mulheres desavergonhadas, afetados como os açougueiros e as lavadeiras no carnaval, pedindo a seus heróis que continuem a fazer suas caretas de circunstância pelo tempo necessário à tomada, eles se lisonjeiam de oferecer cenas, trágicas e graciosas, da história antiga. Algum escritor democrata deve ter aí visto um modo, com baixo custo, de restituir ao povo o gosto pela história e pela pintura, cometendo assim um duplo sacrilégio, insultando a divina pintura e a arte sublime do ator. Pouco tempo depois, milhares de olhos ávidos se voltavam para o orifício do estereoscópio, como uma fresta para o infinito. O amor pela obscenidade, que é tão vivaz no coração natural do homem quanto o amor por si mesmo, não deixou escapar tão bela ocasião para satisfazer-se. E que não se diga que se trata de crianças que retornam da escola e encontram nessas besteiras seus prazeres; pois elas deslumbraram a todos. Eu ouvi uma bela senhora, uma mulher da alta sociedade, não da média, responder àqueles que discretamente lhe escondiam imagens desse tipo, zelando por seu pudor: “Mostre-me tudo, não há nada demasiado forte para mim”. Juro ter ouvido isso, mas quem acreditará? “Veja você que se trata de mulheres grandiosas!” disse Alexandre Dumas. “E há outras ainda maiores!” disse Cazotte.
Como a indústria fotográfica foi o refúgio de todos os pintores fracassados, demasiado mal-dotados ou preguiçosos para acabar seus estudos, esse deslumbramento universal teve não somente o caráter de cegueira e imbecilidade, mas também, a cor de uma vingança. Que uma tão estúpida conspiração, dentro da qual, como em todas as outras, encontramos os perversos e os equivocados, possa vencer de maneira absoluta, eu não acredito, ou pelo menos não gostaria de acreditar; mas estou convencido de que o progresso mal aplicado da fotografia muito contribuiu, como aliás todo progresso puramente material, para o empobrecimento do gênio artístico francês, já tão raro. A Fatuidade moderna rugirá forte, fará roncar todas as flatulências de sua obesa personalidade; vomitará todos os sofismas indigestos que uma filosofia recente lhe serviu até que se empanturrasse, o que torna evidente que a indústria, irrompendo-se dentro da arte, torna-se sua mais mortal inimiga, e que a confusão de funções impede que ambas realizem seus potenciais. A poesia e o progresso são dois ambiciosos que se odeiam de um ódio instintivo, e quando se encontram no mesmo caminho, é necessário que um sirva ao outro. Se for permitido à fotografia substituir a arte em qualquer uma de suas funções, ela logo será totalmente suplantada e corrompida, graças à aliança natural que encontrará na tolice da multidão. É preciso então que ela retorne ao seu verdadeiro dever, que é o de ser a serva das ciências e das artes, a mais humilde das servas, como a imprensa e a estenografia, que nem criaram e nem suplantaram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e devolva a seus olhos a precisão que faltava a sua memória, que ela ornamente a biblioteca do naturalista, amplie os animais microscópicos, ou mesmo, que ela acrescente ensinamentos às hipóteses do astrônomo, que ela seja enfim a secretária e o guarda-notas de quem quer que precise, em sua profissão, de uma absoluta precisão material, até aí, nada melhor. Que ela salve do esquecimento as ruínas decadentes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma irá desaparecer e que pedem um lugar no arquivo de nossa memória, ela terá nossa gratidão e será ovacionada. Mas se lhe for permitido usurpar o domínio do impalpável e do imaginário, de tudo aquilo que apenas tem valor porque o homem lhe acrescenta alma, então, que desgraça a nossa!

Sei que muitos me dirão: “A doença que você acaba de explicar é aquela dos imbecis. Que homem digno do nome de artista e que diletante verdadeiro confundiu um dia a arte com a indústria?” Eu sei e, no entanto, perguntarei por minha vez se ele acredita no contágio entre o bem e o mal, na ação das multidões sobre o indivíduo, e na obediência involuntária, forçada, do indivíduo à multidão. Que o artista aja sobre o público, e que o público reaja sobre o artista, é uma lei incontestável e irresistível; no mais, os fatos, terríveis testemunhos, são fáceis de conhecer; podemos constatar o desastre. Dia a dia, a arte perde o respeito por si mesma, se prosterna diante da realidade exterior, e o pintor se torna cada vez mais inclinado a pintar, não o que sonha, mas o que vê. Entretanto, é uma felicidade sonhar, é uma glória exprimir o que se sonha, mas o que direi? Você ainda conhece essa felicidade? Afirmará o observador de boa fé que a invasão da fotografia e a grande loucura industrial não estejam ligadas a esse resultado deplorável? Será possível supor que um povo, cujos olhos se habituaram a considerar os resultados de uma ciência material como produtos do belo, não terá, ao largo de certo tempo, particularmente diminuída sua faculdade de julgar e de sentir o que há de mais etéreo e de mais imaterial?



COMENTÁRIOS:

1- Vaudeville é um tipo de comédia teatral popular, surgida na França em meados do século XVIII, e que se difundiu pelo mundo no século XIX.


2- Brutus, lâche César" é uma comédia escrita por Joseph-Bernard Rosier, em 1849. Apesar da aparente referência histórica do título, Brutus é, nessa peça, apenas um cão que morde um porteiro chamado César.


3- Citação ao Evangelho de Mateus, Cap.XVII, V. 17.


4- Título de uma obra de Ernest Seigneurgens, exposta no Salão. Gibelotte é um prato da culinária francesa, espécie de fricassé de coelho preparado com vinho branco.


5- Baudelaire imagina ironicamente uma obra alegórica com elementos que aparecem em certas representações do Amor como personagem mítico (Cupido) : a aljava, suporte em que as carrega as flechas, asas e, por vezes, uma venda em seus olhos.


6- Peça de August von Kotzebue, de 1790, tido por alguns historiadores como precursora do melodrama. Baudelaire se refere, provavelmente, à literalidade das palavras implicadas.


7- Baudelaire faz referência aos cavaleiros (por vezes chamados de paladinos) que acompanhavam Carlos Magno nas cruzadas. Em seguida, apela a Chateaubriand, autor de "O gênio do cristianismo" (1802) que, na contracorrente do iluminismo, busca resgatar o valor moral e estético das ações ligadas à tradição e à história do cristianismo.


8- Primeira etapa de um pomposo cerimonial de despertar do rei, envolvendo uma vasta hierarquia de funcionários e súditos, que realizam uma seqüência de pequenas tarefas.


9- Figura heráldica usada recorrentemente para representar da monarquia francesa.


10- Na carta enviada a Nadar em 16/05/1859, Baudelaire também comenta estas esculturas com empolgação, apelando ao amigo para que tentasse obter informações sobre o título.


11- Quadro de François-Auguste Biard, sucesso no Salão de 1844. Cf. Roubert.


12- As frases em inglês são extraídas do conto "Morella", de Edgar Allan Poe. Com este "mas também", Baudelaire quer provavelmente dizer "mas não esqueçamos também". Mais adiante, Baudelaire voltará a falar da "felicidade de sonhar", a seu ver, escassa em seu tempo.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A função da arte/1


Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
— Me ajuda a olhar! 

Eduardo Galeano 



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Todo trabalho criativo baseia-se no que veio antes."




domingo, 4 de setembro de 2011

Estética e ética



"O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feito por especialistas que são artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida?" (Foucault, 1995a: 261)

Deslocar a arte – entendida como um conjunto aberto e variável de técnicas de construção e criação – do mero âmbito dos objetos para o âmbito da vida e colocar esse conjunto de técnicas nas mãos de cada indivíduo para que ele mesmo produza sua própria vida e gerencie sua própria liberdade é uma aposta que Foucault faz não só a partir das bases de uma moral (a grega) constituída segundo esses critérios, mas desde a reflexão sobre um dos textos importantes de nossa modernidade: o texto de Kant Was ist Aufklärung? Neste pequeno texto, Kant define o Iluminismo como a saída do homem de sua culpável incapacidade (conf. Kant, 1984: 100), como maturidade para tomar e assumir as próprias decisões sem recorrer ao dogma ou à autoridade. Na avaliação de Foucault, a decisão mais importante, e talvez a única de fato crucial, é a que afeta o estilo de vida de cada indivíduo, na qual se vejam implicadas as relações que este mantém consigo mesmo e com os outros. Assumir radicalmente o princípio governante da modernidade significa, a partir desta perspectiva, colocar as condições para que o indivíduo seja artista ou artífice do seu próprio êthos. E se essa modernidade apontada por Kant, nesse ambiente de maturidade, se inaugurou com um trabalho crítico, isto é, com uma reflexão sobre os limites do conhecimento e da ação, o estabelecimento da crítica, na visão de Foucault, consiste em seguir trabalhando e refletindo sobre os limites, mas não com a intenção de legitimar sua condição de estruturas transcendentais, dadas a priori, e conseqüentemente invariáveis, mas com o propósito de mostrar sua historicidade, sua contingência com o objetivo de tornar possível a transformação.


Trecho retirado do texto: Nos rastros de Foucault: Ética e subjetividade.
Wanderson Flor do Nascimento
Professor de Filosofia do Instituto de Ciências Sociais e Humanas do Centro de Ensino Superior do Brasil e Mestrando em Filosofia pela Universidade de Brasília 

domingo, 28 de agosto de 2011

La Camara Oscura








Sinopse

Em uma colônia da província de Entre Rios, no final do século XIX, uma mulher que, na opinião da sua família nasceu feia ,cresce como uma mulher pouco atraente que se torna insignificante, quase transparente. Ser ignorado por todos, ela não renuncia ao direito de ver o mundo ao seu redor com um ávido interesse por estes pequenos sinais de beleza que são visíveis apenas quando paramos para contemplar. Anos mais tarde, casada e com filhos, um fotógrafo francês, chega à sua casa de campo e é o único que a vê com um outro “olhar ", a beleza particular da protagonista e seu intenso mundo interior.
“Somos seres simbólicos, pertencer a uma sociedade é representar papéis. Se não sabemos viver de outro modo, se isso é da ‘natureza humana’, somos verdadeiramente os papéis que cumprimos”, Ronaldo Entler.



terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um truque de Luz        
Wim Wenders
             




A história de Gertrud, a menina que foi testemunha do nascimento do cinema, já que era filha de um dos irmãos Skaladanowsky, inventores do bioscópio, a primeira versão do projetos de filmes.

Wim Wenders, misturando cenas documentais e ficção, mostra as muitas experiências com as imagens de Max e Emil, que se dedicaram àquela forma de arte até então desconhecida.

sábado, 20 de agosto de 2011



“A visão é tudo e a jornada fotográfica é sobre descobrir sua visão permitindo que ela evolua, mude e encontre a expressão por meio de sua câmera e da impressão. Não é algo que você encontre e se ajuste de uma vez por todas; é algo que muda e cresce com você. As coisas pelas quais você se apaixona, ou sobre o que você — um ser único entre bilhões — acha belo, feio, certo, errado ou harmonioso neste mundo. E na medida em que você experimenta a vida, sua visão muda. As histórias que você quer contar, as coisas que ressoam em você, mudam e assim também muda sua visão. Encontrar e expressar sua visão é uma jornada, não um destino.

Você pode passar a vida toda perseguindo a sua visão, aprendendo não apenas a ver com mais clareza, mas a expressar aquela visão de maneiras ainda mais fortes. É importante lembrar-se disso, pois evita o desencorajamento que todos os artistas inevitavelmente enfrentam: A sensação de que não estamos vendo nada novo, não temos nada a dizer ou criamos nossa última boa fotografia. Quando isso acontece, é útil lembrar que a jornada ainda não acabou. Enquanto estivermos vivos e interagirmos com a vida, com o mundo e com as pessoas ao nosso redor, teremos algo a dizer. E conforme aprendemos e praticamos nosso ofício, teremos formas mais fortes — até mesmo melhores — de expressar tudo isso.

A visão pode ser esquiva. Podemos nem sempre ter uma reação consciente imediata do mundo ao nosso redor, podemos não compreender nossos sentimentos em relação a história diante de nós. É nessas horas que a câmera se torna mais que um meio para registrar nossa visão; ela se torna um meio de ajudar a esclarecê-la. O ato de olhar através do visor, de excluir outros ângulos e elementos ou de trazer caos à ordem, pode trazer sua visão à tona. Essa capacidade de nos ajudar a ver significa, de certo modo, que a câmera é uma parceira neste processo.A vida fotográfica trata de descobrir sua visão e expressá-la em termos puramente visuais. Algumas vezes nossa visão nos encontra; outras vezes temos que persegui-la.”

David duChemin - A foto em foco, uma jornada na visão fotográfica

sábado, 13 de agosto de 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

quarta-feira, 27 de julho de 2011

domingo, 24 de julho de 2011

Estética


"É que Narciso acha feio o que não é espelho"



Narciso
 Michelangelo Merisi da Caravaggio
Passou do ponto - Braulio Tavares

São essas coisas que acontecem na vida das pessoas, elas se veem de repente numa situação que é um paraíso imprevisto, um paraíso não-sonhado, que aparece não como a conquista (enfim!) de um objetivo, mas como algo que cai já pronto em nosso colo, objetivo e conquista embrulhados juntos no mesmo celofane. De repente estava tudo tão bom, o ônibus agradável, o ar condicionado funcionando, a poltrona confortabilíssima e reclinável em três ângulos, as janelas amplas e transparentes, a companhia esfuziante dos outros passageiros... Estar cruzando a cidade (babilônica e luminosa) naquele ônibus tornou-se de repente não um meio mas um fim em si, e era um tal clima de festa, uma tal variedade de companhias, de conversas, de risadas, de confidências, de conspirações benignas e de planos para o futuro que parecia não existir nada mais além daquele espaço fechado em movimento. A cidade (sensual e festiva) passava lá fora como um loop de imagens em computação gráfica, espaço bidimensional que, se a gente se contentasse em vê-lo passar, cumpria plenamente a função. A vida verdadeira era ali dentro, tudo acontecia naquele corredor largo entre as poltronas, onde era possível caminhar em filas de mão e contra-mão, e havia frigobar em esquema de boca-livre (ou quem sabe incluído na passagem), televisõezinhas ejetáveis no teto, canais de música com fones de ouvido e menu de trinta opções... O ônibus em que iam conhecer o mundo transformou-se no mundo, transformou-se no único lugar a que ele dava atenção, no único lugar que ele via e ouvia. E ele passou do ponto.

Saber ele sabia, que aquele ônibus não fazia o trajeto circular dos ônibus urbanos, era um ônibus com rota em linha reta, que partira de um A e chegaria hipoteticamente a um Z, e que nesse percurso havia um local bem específico que ele escolheria para descer. Havia um local que ele reconheceria, por todas as pistas que lhe seriam fornecidas, principalmente pelos outros passageiros, cuja conversa, por mais variada e ininterrupta, circulava sempre em torno desse tema, dessa idéia fixa: do lugar onde cada um estava pensando em descer, e por que motivo ali e não em outro local, e de que maneira seriam capazes, cada um, de reconhecer o próprio local de descida, se presumirmos que todos estavam fazendo aquele trajeto pela primeira (e única) vez, e tudo que sabiam sobre o espaço a ser percorrido eram suas próprias expectativas e as expectativas, suposições, lendas e imaginações dos outros a bordo. Todos tinham sua teoria, suas anotações; ele também. E a discussão era tão animada, tão enriquecedora e divertida, tão objetivo-final-da-coisa-em-si, que, punge-me dizê-lo, quando ele olhou já era tarde, as casas iam rareando, a cidade (feérica e monumental) cedera lugar a uma periferia de matagais e ruínas, um deserto soturno de charnecas; e de gelada constatação. O ônibus seguiu. Seguiu sempre em frente. E ele não precisou mais descer, é claro. Ele passou do ponto.


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domingo, 17 de julho de 2011

Aristóteles não definiu a piedade e o terror. Eu defini. Escuta...

A piedade é o sentimento que faz parar o espírito na presença de algo que seja grave e constante no sofrimento humano e o une com o sofredor humano. O terror é o sentimento que detém o espírito na presença de seja lá o que for que seja grave e constante no sofrimento humano e o liga à sua causa secreta.

De fato, a emoção trágica é uma face olhando para dois lados, para o terror e para a piedade, pois que ambos são faces dela.

Repara bem que emprego o termo deter, ficar parado. Quero com isso significar que a emoção trágica é estática. Ou, antes, a emoção dramática é que o é. Os sentimentos excitados pela arte imprópria são cinéticos, desejo, ou repulsa. O desejo nos compele a possuir, a ir para alguma coisa; a repulsa nos compele a abandonar, a partir duma dada coisa. As artes que o excitam, pornográficas ou didáticas, são, por conseguinte, artes impróprias. A emoção estética (sempre emprego o termo geral) é, por conseguinte, estática. O espírito fica detido e suspenso acima do desejo e da repulsa.

O desejo e a repulsa excitados por meios estéticos impudicos não são realmente emoções estéticas, não só porque são cinéticas em caráter como também porque não são senão físicas. A nossa alma contrai-se ante aquilo que teme e responde ao estímulo daquilo que deseja por uma ação puramente reflexa do sistema nervoso. Nossas pálpebras fecham-se antes que estejamos cônscios de que a mosca está a ponto de entrar no nosso olho.

A beleza expressa pelo artista não pode despertar em nós uma emoção que é cinética, ou uma sensação que é puramente física. Ela desperta ou deve despertar, ou induz, ou deve induzir, um êxtase estético, uma piedade ideal ou um terror ideal, um êxtase que perdura, que se prolonga e que acaba, por fim, dissolvido pelo que chamo de ritmo de beleza.

O ritmo é a primeira relação formal estética duma parte com outra parte, em qualquer conjunto ou todo estético, ou dum todo estético para a sua parte ou para as suas partes ou duma parte para o todo estético do qual é parte.

Falar destas coisas, tentar compreender-lhes a natureza, e, tendo-a compreendido, procurar lenta, humilde e constantemente expressar (tornar a extrair da terra bruta ou do que dela procede, do som, da forma e da cor, que são as portas da prisão de nossa alma) uma imagem da beleza que chegamos a aprender — isto é arte.

Que é a arte? Que é que a beleza exprime? A arte é a disposição humana de matéria sensível ou inteligível para um fim estético.

Santo Tomás de Aquino diz que o belo é a apreensão do que agrada. Pulcra sunt quae visa placent.

Ele emprega a palavra visa para revestir as apreensões estéticas de todas as maneiras, seja através da vista ou do ouvido, seja através de qualquer outra perspectiva de apreensão. Esta palavra, conquanto seja vaga, é clara o suficiente para discernir o que haja de bom e de mau que excite o desejo e a repulsa. Significa certamente uma estase e não uma cinese. E relativamente ao real? Também produz uma estase do espírito. 

Por conseguinte, estático, Platão, creio eu, disse que a beleza é o esplendor da verdade. Não acho que isso tenha um sentido, mas a verdade e a beleza são aparentadas. A verdade é contemplada pelo intelecto que é acalmado pelas mais satisfatórias relações do inteligível; a beleza é contemplada pela imaginação que é acalmada pelas mais satisfatórias relações do sensível. O primeiro passo na direção da verdade é compreender o escopo e o encaixe do intelecto mesmo, compreender o ato mesmo de intelecção. Todo o sistema de filosofia de Aristóteles repousa no seu livro de psicologia e esta, penso eu, no seu princípio de que o mesmo atributo não pode ao mesmo tempo e com a mesma conexão pertencer e não pertencer ao mesmo objeto. O primeiro passo na direção da beleza é compreender o limite e o escopo da imaginação, compreender o ato mesmo da apreensão estética.

Embora o mesmo objeto possa não ser bonito para toda a gente, toda gente pode admirar um objeto bonito, encontrar nele certas relações que satisfaçam e coincidam com os estágios próprios mesmos de toda apreensão estética. Tais relações do sensível, visíveis para mim através duma forma e para ti através doutras, devem ser, por conseguinte, as necessárias qualidades da beleza. Já agora podemos voltar ao nosso velho amigo Santo Tomás para outros dez vinténs de sabedoria.

James Joyce - Retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira

sábado, 9 de julho de 2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O ATO CRIADOR    - Marcel Duchamp

Consideremos dois importantes fatores, os dois pólos da criação artística: de um lado o artista, do outro o público que mais tarde se transforma na posteridade.
Aparentemente o artista funciona como um ser mediúnico que, de um labirinto situado além do tempo e do espaço, procura caminhar até uma clareira.
Ao darmos ao artista os atributos de um médium, temos de negar-lhe um estado de consciência no plano estético sobre o que esta fazendo, ou por que esta fazendo.
Todas as decisões relativas à execução artística do seu trabalho permanecem no domínio da pura intuição e não podem ser objetivadas numa auto-análise, falada ou escrita, ou mesmo pensada.
T.S. Eliot escreve em seu ensaio sobre Tradition and Individual Talents. “Quanto mais perfeito o artista, mais completamente separados estarão nele o homem que sofre e a mente que cria; e mais perfeitamente a mente assimilará e expressará as paixões que são o seu material”.
Milhões de artistas criam; somente alguns poucos milhares são discutidos ou aceitos pelo público e muito menos ainda são os consagrados pela posteridade.
Em última análise o artista pode proclamar de todos os telhados que é um gênio; terá de se esperar pelo veredicto do público para que sua declaração assuma um valor social e para que finalmente, a posteridade o inclua entre as figuras da História da Arte.
Sei que esta afirmação não contará com a aprovação de muitos artistas que recusam este papel mediúnico e que insistem na validade da sua conscientização em relação à arte criadora – contudo, a História da Arte, atreves de considerações completamente divorciadas das explicações racionais do artista.
Se o artista como ser humano, repleto das melhores intenções para consigo e para com o mundo inteiro, não desempenhar papel algum no julgamento do próprio trabalho, como poderá ser descrito o fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte? Em outras palavras, como se processa esta reação?
Este fenômeno é comparável a uma transferência do artista para o público, sob a forma de uma osmose estética, processada através da matéria inerente, tais como a tinta, o piano, o mármore.
Antes de prosseguir, gostaria de esclarecer o que entendo pela palavra “arte” – sem, certamente, tentar uma definição.
O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.
Por conseguinte, quando eu me referi ao “coeficiente artístico”, deverá ficar entendido que não me refiro somente à grande arte, mas que estou tentando descrever o mecanismo subjetivo que produz a arte em estado bruto – à i’état brut – ruim, boa ou indiferente.
No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de relações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que também não podem e não devem ser totalmente conscientes, pelo menos no plano estético.
O resultado deste conflito é uma diferença entre a intenção e a sua realização, uma diferença de que o artista não tem consciência.
Por conseguinte, na cadeia de relações que acompanha o ato criador falta um elo.
Esta falha que representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o “coeficiente artístico” pessoal contido na sua obra de arte.
Em outras palavras, o “coeficiente artístico” é como uma relação aritmética entre o que permanece inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não intencionalmente.
A fim de evitar um mal-entendido, devemos lembrar que este “coeficiente artístico” é uma expressão da arte à l’état brut, ainda num estado bruto que precisa ser “refinado” pelo público como açúcar puro extraído do melado; o índice deste coeficiente não tem influência alguma sobre tal veredicto. O ato criado toma outro aspecto quando o espectador experimenta o fenômeno da transmutação; pela transformação da matéria inerte numa obra de arte, um transubstanciado real processou-se, e o papel do público é de determinar qual o peso as obras de arte na balança estética.
Resumindo, o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador.
Isto se torna ainda mais obvio quando a posteridade da seu veredicto final e, às vezes, reabilita artistas esquecidos.

Texto apresentado à Convenção da Federação Americana de Artes. Em Houston, Texas, USA, abril de 1957.

sábado, 2 de julho de 2011

Pierre Verger