quinta-feira, 24 de junho de 2010

[...] A questão do sentido (não-discursivo) expresso pela arte passa fundamentalmente pelo espectador. Quer dizer: ele o apreende a partir de seu próprio jeito de sentir, a partir de seus gostos, cultura, preconceitos, etc. No jogo do sentido estabelecido entre a obra e o espectador cada qual entra com sua parcela de significados. Ela encaminha meus sentimentos numa determinada direção, mas a forma de vivê-los é exclusivamente minha, pessoal, incomunicável. Frente a um drama no cinema, por exemplo, a platéia toda pode entristecer-se, mas o como é vivida esta tristeza é dado por cada um dos indivíduos, no seu íntimo.

Por isso o esteta italiano Humberto Eco diz que a obra de arte é “aberta”: ela é aberta para que cada um complete o seu sentido. Se na comunicação as ambigüidades devem ser evitadas, na arte (uma forma altamente expressiva), pelo contrário, elas são desejadas. Quanto mais sentidos possibilitar uma obra (alguns diriam: quanto mais “leituras” ela permitir), tanto mais plena será. Nas palavras do filósofo francês Mikel Dufrenne, “o espectador não é somente a testemunha que consagra a obra, ele é, à sua maneira, o executante que a realiza; o objeto estético tem necessidade do espectador para aparecer”.

Podemos agora tentar compreender melhor a experiência estética, levantando e discutindo outras características e aspectos seus. Já dissemos que no momento desta experiência ocorre como que uma “suspensão” da realidade cotidiana: o mundo prático é colocado entre parênteses e nos envolvemos com a realidade da obra. Ao apagarem-se as luzes e fecharem-se as cortinas, no teatro, no cinema, na sala de concertos, procura-se, com isso, exatamente reduzir a um mínimo a influência do “mundo externo”, a fim de se atingir um clima mais propício para adentrarmos no mundo da obra.

Nesta “nova realidade”, então, nossa consciência posta-se de forma diferente da usual, distinta daquela maneira de ela se dar no dia-a-dia. A percepção cessa de ser utilitária e se torna estética: deixa de se preocupar com a utilidade do percebido para se concentrar em sua aparência. A percepção prática, segundo discutido anteriormente, interroga o objeto em termos de utilidade. Procura a verdade sobre o objeto, e a procura em torno dele, nas ligações que este mantém com outros através das ações humanas. Já a percepção estética busca a verdade do objeto, e a busca nele próprio, em suas formas, no seu aparecer. É no sensível – e não no conceitual, no intelectual – que reside o ser do objeto estético.



O que é beleza: experiência estética
João Francisco Duarte Jr

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