"...Deixamo-nos conduzir, ao longo do dia-a-dia, muito mais pela nossa dimensão simbólica, racional, do que pelas impressões captadas diretamente do mundo através do sentimento. A linearidade e a discursividade da linguagem se impõem ao ser humano (especialmente ao ser humano, “civilizado”) e dele exigem um “esquecimento” daquela percepção mais primitiva, não mediada pelo aparato dos símbolos lingüísticos. Não há um equilíbrio entre o sentir e o pensar, com este se sobrepondo àquele na experiência prática da vida cotidiana; a intelecção, o pensamento, torna-se o timoneiro nesta viagem através da realidade diária. E assim, em termos do esquecimento forçado da “percepção direta” (via sentimento) a que o pensamento nos obriga, é que podemos entender o verso do poeta Fernando Pessoa, quando este afirma, pela pena de seu heterônimo Alberto Caeiro, que “pensar é estar doente dos olhos”.
Na experiência prática, portanto, o sentimento acaba por subordinar-se aos processos intelectivos – simbólicos e conceituais. E não apenas o sentimento, mas a própria imaginação, esta faculdade fundamental do homem. Quando no capítulo anterior foi comentada a consciência reflexiva humana, que nos permite (através dos símbolos) pensar naquilo que está ausente, bem como evocar o que já foi ou virá a ser, estava implícito este conceito decisivo: a imaginação. Pensar no ausente é sempre imaginá-lo, é recriá-lo (como representação) em nossa mente. A imaginação, desenvolvida com a capacidade para criar e utilizar sistemas simbólicos, é o traço distintivo do homem: os animais não a possuem.
Contudo, na experiência prática a imaginação está a serviço da percepção utilitária: não lhe são permitidos vôos utópicos; ela deve permanecer centrada na funcionalidade dos objetos percebidos. A realidade cotidiana exige-lhe disciplina e pés de chumbo. Deixá-la exceder-se e flutuar, no âmbito desta esfera pragmática, corresponderia ao delírio e a loucura. "
O que é beleza: experiência estética
João Francisco Duarte Jr
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