"- Estão aqui as fotografias que me emprestou. Onde as ponho?
Na semana anterior, Dona Munda mostrou-lhe o álbum de família. Espantoso como ela, na sua juventude, era parecida com a filha Deolinda. O médico não saberia distinguir entre uma e outra. Essa semelhança impressionou-o a ponto de o encorajar a abdicar do distanciado respeito que ele sempre preservou. E foi por isso que ele pediu as fotografias de empréstimo. Dona Munda reagiu com a mesma indolência com que agora sugere que o médico tome posse dessas lembranças.
- Leve-as, fique com elas meu caro Doutor. As fotos fazem dos parentes peças de mobiliário.
- Ora, Dona Munda...
- Além disso, essas fotos não me pertencem.
- Não entendi. Essas fotos não são suas?
- Eu é que já não sou dessas fotos. Tudo isso aí é de um tempo que já morreu, a gente fica menos vivo só de entrar nessas lembranças."
Mia Couto, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, ed. Caminho, 2008
Um achado no blog Arte Photográfica
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