sábado, 30 de julho de 2011

quarta-feira, 27 de julho de 2011

domingo, 24 de julho de 2011

Estética


"É que Narciso acha feio o que não é espelho"



Narciso
 Michelangelo Merisi da Caravaggio
Passou do ponto - Braulio Tavares

São essas coisas que acontecem na vida das pessoas, elas se veem de repente numa situação que é um paraíso imprevisto, um paraíso não-sonhado, que aparece não como a conquista (enfim!) de um objetivo, mas como algo que cai já pronto em nosso colo, objetivo e conquista embrulhados juntos no mesmo celofane. De repente estava tudo tão bom, o ônibus agradável, o ar condicionado funcionando, a poltrona confortabilíssima e reclinável em três ângulos, as janelas amplas e transparentes, a companhia esfuziante dos outros passageiros... Estar cruzando a cidade (babilônica e luminosa) naquele ônibus tornou-se de repente não um meio mas um fim em si, e era um tal clima de festa, uma tal variedade de companhias, de conversas, de risadas, de confidências, de conspirações benignas e de planos para o futuro que parecia não existir nada mais além daquele espaço fechado em movimento. A cidade (sensual e festiva) passava lá fora como um loop de imagens em computação gráfica, espaço bidimensional que, se a gente se contentasse em vê-lo passar, cumpria plenamente a função. A vida verdadeira era ali dentro, tudo acontecia naquele corredor largo entre as poltronas, onde era possível caminhar em filas de mão e contra-mão, e havia frigobar em esquema de boca-livre (ou quem sabe incluído na passagem), televisõezinhas ejetáveis no teto, canais de música com fones de ouvido e menu de trinta opções... O ônibus em que iam conhecer o mundo transformou-se no mundo, transformou-se no único lugar a que ele dava atenção, no único lugar que ele via e ouvia. E ele passou do ponto.

Saber ele sabia, que aquele ônibus não fazia o trajeto circular dos ônibus urbanos, era um ônibus com rota em linha reta, que partira de um A e chegaria hipoteticamente a um Z, e que nesse percurso havia um local bem específico que ele escolheria para descer. Havia um local que ele reconheceria, por todas as pistas que lhe seriam fornecidas, principalmente pelos outros passageiros, cuja conversa, por mais variada e ininterrupta, circulava sempre em torno desse tema, dessa idéia fixa: do lugar onde cada um estava pensando em descer, e por que motivo ali e não em outro local, e de que maneira seriam capazes, cada um, de reconhecer o próprio local de descida, se presumirmos que todos estavam fazendo aquele trajeto pela primeira (e única) vez, e tudo que sabiam sobre o espaço a ser percorrido eram suas próprias expectativas e as expectativas, suposições, lendas e imaginações dos outros a bordo. Todos tinham sua teoria, suas anotações; ele também. E a discussão era tão animada, tão enriquecedora e divertida, tão objetivo-final-da-coisa-em-si, que, punge-me dizê-lo, quando ele olhou já era tarde, as casas iam rareando, a cidade (feérica e monumental) cedera lugar a uma periferia de matagais e ruínas, um deserto soturno de charnecas; e de gelada constatação. O ônibus seguiu. Seguiu sempre em frente. E ele não precisou mais descer, é claro. Ele passou do ponto.


Mais no site do autor:  Mundo Fantasmo



domingo, 17 de julho de 2011

Aristóteles não definiu a piedade e o terror. Eu defini. Escuta...

A piedade é o sentimento que faz parar o espírito na presença de algo que seja grave e constante no sofrimento humano e o une com o sofredor humano. O terror é o sentimento que detém o espírito na presença de seja lá o que for que seja grave e constante no sofrimento humano e o liga à sua causa secreta.

De fato, a emoção trágica é uma face olhando para dois lados, para o terror e para a piedade, pois que ambos são faces dela.

Repara bem que emprego o termo deter, ficar parado. Quero com isso significar que a emoção trágica é estática. Ou, antes, a emoção dramática é que o é. Os sentimentos excitados pela arte imprópria são cinéticos, desejo, ou repulsa. O desejo nos compele a possuir, a ir para alguma coisa; a repulsa nos compele a abandonar, a partir duma dada coisa. As artes que o excitam, pornográficas ou didáticas, são, por conseguinte, artes impróprias. A emoção estética (sempre emprego o termo geral) é, por conseguinte, estática. O espírito fica detido e suspenso acima do desejo e da repulsa.

O desejo e a repulsa excitados por meios estéticos impudicos não são realmente emoções estéticas, não só porque são cinéticas em caráter como também porque não são senão físicas. A nossa alma contrai-se ante aquilo que teme e responde ao estímulo daquilo que deseja por uma ação puramente reflexa do sistema nervoso. Nossas pálpebras fecham-se antes que estejamos cônscios de que a mosca está a ponto de entrar no nosso olho.

A beleza expressa pelo artista não pode despertar em nós uma emoção que é cinética, ou uma sensação que é puramente física. Ela desperta ou deve despertar, ou induz, ou deve induzir, um êxtase estético, uma piedade ideal ou um terror ideal, um êxtase que perdura, que se prolonga e que acaba, por fim, dissolvido pelo que chamo de ritmo de beleza.

O ritmo é a primeira relação formal estética duma parte com outra parte, em qualquer conjunto ou todo estético, ou dum todo estético para a sua parte ou para as suas partes ou duma parte para o todo estético do qual é parte.

Falar destas coisas, tentar compreender-lhes a natureza, e, tendo-a compreendido, procurar lenta, humilde e constantemente expressar (tornar a extrair da terra bruta ou do que dela procede, do som, da forma e da cor, que são as portas da prisão de nossa alma) uma imagem da beleza que chegamos a aprender — isto é arte.

Que é a arte? Que é que a beleza exprime? A arte é a disposição humana de matéria sensível ou inteligível para um fim estético.

Santo Tomás de Aquino diz que o belo é a apreensão do que agrada. Pulcra sunt quae visa placent.

Ele emprega a palavra visa para revestir as apreensões estéticas de todas as maneiras, seja através da vista ou do ouvido, seja através de qualquer outra perspectiva de apreensão. Esta palavra, conquanto seja vaga, é clara o suficiente para discernir o que haja de bom e de mau que excite o desejo e a repulsa. Significa certamente uma estase e não uma cinese. E relativamente ao real? Também produz uma estase do espírito. 

Por conseguinte, estático, Platão, creio eu, disse que a beleza é o esplendor da verdade. Não acho que isso tenha um sentido, mas a verdade e a beleza são aparentadas. A verdade é contemplada pelo intelecto que é acalmado pelas mais satisfatórias relações do inteligível; a beleza é contemplada pela imaginação que é acalmada pelas mais satisfatórias relações do sensível. O primeiro passo na direção da verdade é compreender o escopo e o encaixe do intelecto mesmo, compreender o ato mesmo de intelecção. Todo o sistema de filosofia de Aristóteles repousa no seu livro de psicologia e esta, penso eu, no seu princípio de que o mesmo atributo não pode ao mesmo tempo e com a mesma conexão pertencer e não pertencer ao mesmo objeto. O primeiro passo na direção da beleza é compreender o limite e o escopo da imaginação, compreender o ato mesmo da apreensão estética.

Embora o mesmo objeto possa não ser bonito para toda a gente, toda gente pode admirar um objeto bonito, encontrar nele certas relações que satisfaçam e coincidam com os estágios próprios mesmos de toda apreensão estética. Tais relações do sensível, visíveis para mim através duma forma e para ti através doutras, devem ser, por conseguinte, as necessárias qualidades da beleza. Já agora podemos voltar ao nosso velho amigo Santo Tomás para outros dez vinténs de sabedoria.

James Joyce - Retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira

sábado, 9 de julho de 2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O ATO CRIADOR    - Marcel Duchamp

Consideremos dois importantes fatores, os dois pólos da criação artística: de um lado o artista, do outro o público que mais tarde se transforma na posteridade.
Aparentemente o artista funciona como um ser mediúnico que, de um labirinto situado além do tempo e do espaço, procura caminhar até uma clareira.
Ao darmos ao artista os atributos de um médium, temos de negar-lhe um estado de consciência no plano estético sobre o que esta fazendo, ou por que esta fazendo.
Todas as decisões relativas à execução artística do seu trabalho permanecem no domínio da pura intuição e não podem ser objetivadas numa auto-análise, falada ou escrita, ou mesmo pensada.
T.S. Eliot escreve em seu ensaio sobre Tradition and Individual Talents. “Quanto mais perfeito o artista, mais completamente separados estarão nele o homem que sofre e a mente que cria; e mais perfeitamente a mente assimilará e expressará as paixões que são o seu material”.
Milhões de artistas criam; somente alguns poucos milhares são discutidos ou aceitos pelo público e muito menos ainda são os consagrados pela posteridade.
Em última análise o artista pode proclamar de todos os telhados que é um gênio; terá de se esperar pelo veredicto do público para que sua declaração assuma um valor social e para que finalmente, a posteridade o inclua entre as figuras da História da Arte.
Sei que esta afirmação não contará com a aprovação de muitos artistas que recusam este papel mediúnico e que insistem na validade da sua conscientização em relação à arte criadora – contudo, a História da Arte, atreves de considerações completamente divorciadas das explicações racionais do artista.
Se o artista como ser humano, repleto das melhores intenções para consigo e para com o mundo inteiro, não desempenhar papel algum no julgamento do próprio trabalho, como poderá ser descrito o fenômeno que conduz o público a reagir criticamente à obra de arte? Em outras palavras, como se processa esta reação?
Este fenômeno é comparável a uma transferência do artista para o público, sob a forma de uma osmose estética, processada através da matéria inerente, tais como a tinta, o piano, o mármore.
Antes de prosseguir, gostaria de esclarecer o que entendo pela palavra “arte” – sem, certamente, tentar uma definição.
O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim é arte, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção.
Por conseguinte, quando eu me referi ao “coeficiente artístico”, deverá ficar entendido que não me refiro somente à grande arte, mas que estou tentando descrever o mecanismo subjetivo que produz a arte em estado bruto – à i’état brut – ruim, boa ou indiferente.
No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de relações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que também não podem e não devem ser totalmente conscientes, pelo menos no plano estético.
O resultado deste conflito é uma diferença entre a intenção e a sua realização, uma diferença de que o artista não tem consciência.
Por conseguinte, na cadeia de relações que acompanha o ato criador falta um elo.
Esta falha que representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o “coeficiente artístico” pessoal contido na sua obra de arte.
Em outras palavras, o “coeficiente artístico” é como uma relação aritmética entre o que permanece inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não intencionalmente.
A fim de evitar um mal-entendido, devemos lembrar que este “coeficiente artístico” é uma expressão da arte à l’état brut, ainda num estado bruto que precisa ser “refinado” pelo público como açúcar puro extraído do melado; o índice deste coeficiente não tem influência alguma sobre tal veredicto. O ato criado toma outro aspecto quando o espectador experimenta o fenômeno da transmutação; pela transformação da matéria inerte numa obra de arte, um transubstanciado real processou-se, e o papel do público é de determinar qual o peso as obras de arte na balança estética.
Resumindo, o ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador.
Isto se torna ainda mais obvio quando a posteridade da seu veredicto final e, às vezes, reabilita artistas esquecidos.

Texto apresentado à Convenção da Federação Americana de Artes. Em Houston, Texas, USA, abril de 1957.

sábado, 2 de julho de 2011

Pierre Verger



sexta-feira, 1 de julho de 2011