Definição
Representação de uma figura individual ou de um grupo, elaborada a partir de modelo vivo, documentos, fotografias, ou com o auxílio da memória, o retrato (do latim retrahere, copiar) em seu sentido primeiro ligado à idéia de mimese . Por essa razão, foi muito utilizado nas academias e escolas de arte para o aprendizado do ofício e domínio da técnica. Na pintura, o retrato se afirma como gênero autônomo no século XIV, após ter sido utilizado no Egito, no mundo grego e na sociedade romana, com finalidades diversas: comemorativa, religiosa, funerária etc. Giovanni, o Bom (1360), pertencente ao Museu do Louvre, é considerado um dos primeiros retratos pintados de que se tem notícia. A partir daí, o retrato passa a ocupar lugar destacado na arte européia, atravessando diferentes escolas e estilos artísticos. A produção de auto-retratos segue o desenvolvimento do gênero, desde o início, constituindo um filão fartamente explorado por artistas de todas as épocas.
A difusão da retratística acompanha os anseios da corte e da burguesia urbana de projetar suas imagens, na vida pública e privada. Artistas flamengos, como Jan van Eyck (ca.1390 - 1441) contribuem para a afirmação do gênero. O célebre quadro Giovanni Arnolfini e sua Esposa (1434), por exemplo, focaliza um casal, em primeiro plano, dentro de uma sala. Tanto as figuras quanto o ambiente doméstico são representadas com extrema atenção aos detalhes, cores e texturas, o que coloca a obra entre o retrato e a pintura de gênero. Na Itália, associa-se à feitura de retratos no século XV os pintores Piero della Francesca (ca.1415 - 1492) - retratos de Federico e sua Esposa (ca.1465) - e Domenico Ghirlandaio, (1449 - 1494). Velho com seu Neto talvez seja o retrato mais conhecido de Ghirlandaio, pelo ar, ao mesmo tempo severo e suave, que imprime à figura do ancião. Na Renascença italiana, a produção de retratos se expande de acordo com uma doutrina-filosófica que tem o homem como centro das atenções. Os retratos de Rafael (1483 - 1520), são comparados aos de Leonardo Da Vinci (1452 - 1519), pelo estilo sutil das caracterizações e aos de Ticiano (ca.1488 - 1576), em função das cores empregadas. Neles, o pintor retoma o célebre motivo da Virgem com o Menino (Madona Sistina, ca.1512-1514) e documenta os círculos intelectuais da época (Baldassare Castiglioni, ca.1515). Os retratos de Ticiano se destacam pela originalidade da composição, pelo colorido e movimento (Homem com uma Luva, ca.1520). Da Vinci, por sua vez, realiza retratos em sua fase milanesa, até 1499 - Dama com um Arminho, por exemplo -, no período florentino, entre 1500 e 1506 (a Mona Lisa) e também na última fase de sua carreira (as duas imagens de São João Batista, uma delas convertida em Baco, ca.1515). O sorriso enigmático, as sombras, o dedo indicador elevado e as fartas cabeleiras são traços salientes dos retratos de Leonardo, repetidos pelos seguidores.
O século XVII assiste ao realismo original de Caravaggio (1571 - 1610) - evidenciado em Davi (1605), por exemplo - e o de Diego Velázquez (1599 - 1660), que projeta figuras recorrendo às cores quentes e ao chiaroscuro caravaggiano. Velázquez realiza retratos ao longo de toda a sua obra, sobretudo a partir de 1623, quando se torna pintor da corte de Filipe IV. Aí, as influências de Ticiano revelam-se nas poses naturais e no descarte de acessórios. Na Itália, realiza Juan de Pareja (1650), retrato de seu escravo mulato e Papa Inocêncio (1650), considerada uma das obras mestras do retrato mundial. Sua obra mais famosa - Las Meninas (ca.1656) - mostra o pintor no estúdio retratando a família real. A arte barroca européia encontra leitura particular nas telas de Peter Paul Rubens (1577 - 1640). O célebre Auto-retrato com a Mulher (1609), é revelador do estilo autoral do pintor, expressa na liberdade da pose, na tonalidade dourada que ilumina a tela e na paisagem que se deixa entrever por trás dos corpos em primeiro plano. Frans Hals (ca.1581 - 1666) e Rembrandt (1606 - 1669) são dois outros grandes nomes do retrato no século XVII. Hals dedica-se quase que exclusivamente ao gênero. O seu retrato coletivo em tamanho natural, O Banquete dos Oficiais da Milícia de São Jorge (1616), inaugura novo esquema de composição ancorado na linha diagonal que organiza as figuras na tela. O pintor atinge o auge da popularidade entre 1630 e 1640, quando realiza o retrato dos Regentes e das Regentes do Asilo dos Idosos (ca.1664). Rembrandt inaugura forte tradição retratística ao romper o esquema convencional de composição de grupos (Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632) e, nos retratos individuais, ao conferir densidade psicológica aos tipos retratados, com auxílio de contrastes luminosos (Saskia Sorridente, 1642).
Os séculos XVIII e XIX fornecem novos contornos aos retratos, projetando figuras de segmentos sociais mais amplos (e não apenas dos círculos aristocráticos) por meio de maior liberdade expressiva. Mesmo no interior de um padrão clássico de composição, o pintor subverte a convenção, por exemplo, nos retratos de Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780 - 1867), em que a figura representada na tela dirige seu olhar a um observador não-retratado, mas implícito - recurso que será explorado pelos retratos de Pablo Picasso (1881 - 1973). No Retrato de Mademoiselle Rivière (1805-1806), além disso, notam-se os contornos expressivos, a sensualidade da figura e a redução do aparato cênico, característicos do pintor (cf. A Banhista de Valpiçon, 1808). Os impressionistas, Olympia (1865), de Éduard Manet (1832 - 1883), as banhistas e dançarinas de Edgar Degas (1834 - 1917); os pós-impressionistas, Retrato do Carteiro Roulin e Auto-retrato com Orelha Enfaixada (ambas de 1888), de Vincent Van Gogh (1853 - 1890); e os neo-impressionistas - Mãe e Menino (1899), de Édouard Vuillard (1868 - 1940) rompem definitivamente com o acento naturalista que marca a tradição retratística. O advento da fotografia é fator fundamental para o descarte da reprodução fiel da figura e do mundo, levando os pintores a enfatizar o caráter interpretativo da obra. Cabe lembrar que a fotografia, ela mesma, desenvolve uma retratística própria, o que leva a pensar o retrato como gênero extremamente popular no interior do campo fotográfico, alimentado pelo baixo custo dos cartões de visitas produzidos a partir de 1860.
A reflexão sobre as possibilidades e limites da representação atravessa a arte do século XX, e encontra tradução particular nos retratos. Um exemplo específico, como o embate de Alberto Giacometti (1901 - 1966) com um de seus modelos, o escritor James Lord, tem a vantagem de evidenciar, pelo acompanhamento da feitura de um quadro, os dilemas do artista moderno na tentativa de reproduzir o que vê, fora da pauta naturalista. Alguns artistas do século XX se associam diretamente ao gênero, como Amedeo Modigliani (1884 - 1920), que produziu grande quantidade de rostos, em geral, formas simplificadas e alongadas. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a arte pop retoma a figura e o retrato numa outra chave: a partir das imagens publicitárias, dos quadrinhos, do cinema etc. Também no interior do chamado hiper-realismo, foi produzida uma grande quantidade de retratos. Acompanhar o gênero nas artes visuais brasileiras, obrigaria a retomada da história da arte no país, desde pelo menos as figuras monumentais de Albert Eckhout (ca.1610 - ca.1666). Vale assinalar a forte retratística na pintura brasileira do século XIX e início do XX, com August Müller (1815 - ca.1883) (Retrato de Gradjean de Montigny, ca.1843), Almeida Júnior (1850 - 1899) (Caipira picando fumo, 1893 e Nhá Chica, 1895) e Eliseu Visconti (1866 - 1944), responsável por uma série de figuras femininas e auto-retratos (Ilusões Pedidas, 1933). No âmbito do modernismo, uma profusão de retratos e auto-retratos vêm à luz: os realizados por Tarsila do Amaral (1886 - 1973), Guignard (1896 - 1962) e Candido Portinari (1903-1962), por exemplo. Célebres também os retratos de Flávio de Carvalho (1899 - 1973) e as figuras de Iberê Camargo (1914 - 1994).
Fonte: Itaú Cultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário