quinta-feira, 7 de maio de 2009

      O FOTÓGRAFO
      Manoel de Barros

      Difícil fotografar o silêncio.
      Entretanto tentei. Eu conto:
      Madrugada minha aldeia estava morta.
      não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
      Eu estava saindo de uma festa.
      Eram quase quatro da manhã.
      Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
      Preparei a máquina.
      O Silêncio era o carregador ?
      Estava carregando o bêbado.
      Fotografei esse carregador.
      Tive outras visões naquela madrugada.
      Preparei minha máquina de novo.
      Tinha um perfume de jasmim no
      beiral de um sobrado.
      Fotografei o perfume.
      Vi uma lesma pregada na
      existência mais que na pedra.
      Fotografei a existência dela.
      Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
      Fotografei o perdão.
      Pilhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
      Fotografei o sobre.
      Foi difícil fotografar o sobre.
      Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
      Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador.
      Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
      Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva.

      A foto saiu legal.

BARROS, Manoel de. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000. 68 p.

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