sexta-feira, 20 de março de 2009

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Mergulhei no silêncio. Apesar de tanto tempo na profundidade, não me afoguei. Aprendi a respirar debaixo d'água.



Em trânsito


Medo de atravessar a rua. O que tem do outro lado. E se eu torcer o pé. E se o sinal abrir. E se não der tempo. E se eu pisar na poça. A rua é por onde se passa. E se eu passar despercebida. E se o tempo passar. Medo. E se nunca passar.Tanta coisa atravessada. A rua me atravessa e todos passam por mim sem medo. Eu estou do outro lado.

Construção

Já arranquei dentes, veias, sobrancelhas, fios de cabelo branco. Já arranquei pessoas e lembranças. Já arranquei lágrimas. Sempre como um escultor diante de um bloco de rocha, tentando tirar tudo que encobre a figura real perdida lá no meio da massa sólida. Busco minha forma real arrancando aquilo que parece não pertencer, mas me estranho. Parece que a figura verdadeira a que devo dar o nome de “Eu” é justamente a massa disforme. “Eu” é o dente torto, a veia inchada, a sobrancelha em desalinho, o fio que embranquece, a pessoa que não trouxe alegria, a lembrança do fracasso, a dor sufocada. “Eu” é a força com que bato. “Eu” é a escultura abstrata que não quero expor, porque não saberia explicá-la aos espectadores. A limitação de uma forma mais facilmente reconhecível pouparia perguntas e reticências como respostas. Por isso martelo e quebro e lixo e desbasto mas no final do dia guardo os fragmentos e farelos compassivamente e não me relaciono com a meia-forma que desenhei na pedra. “Eu” é mais a poeira do que a rocha. Vejo que é o pó a matéria-prima com a qual quero construir algo.

A Autora: O véu de Maya

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